domingo, 30 de novembro de 2008

Reificação 2

Quando uma mulher bonita entra no trem, além de se defender de todos os tipos de olhares com que é atingida (desejo dos homens jovens, perversão dos impotentes, inveja das coroas e desprezo das mocinhas), existe uma certa tensão no ar e se passa uma pequena novela no percurso da viagem. Primeiro, há a expectativa em qual lugar ela irá se sentar, se irá espalhar sua graça ao lado de algum macho distraído ou se dividirá o corrimão com alguma senhora descontente. Existem várias possibilidades, vários lances, dados a serem jogados. Ela pode simplesmente ficar ali e observar a paisagem pela janela suja e embassada de impressões digitais e óleos corporais, ou então piscar uma pestana dissimuladamente e se deixar ser atraída pelos gracejos que vêem. Pode ser só o toque de uma camisa de flanela com unhas vermelhas bem cuidadas, ou um esbarrão na maratona de 100 saídas do metrô. Qualquer sublime coisa que pode acontecer com aquele lindo exemplar de carbono e nitrogênio, qualquer deslize é um sonho. Mas sorte mesmo tem aqueles que podem só admirar, salivar enquanto dormem e sonham com o vento que levanta a saia na estação Rodoviária. Ela não teve sorte. Ela virou alvo, ela não é um ser com radicais livres ou qualquer coisa parecida. Ela é um quadro, um filme que passa, sem tema ou classificação etária. Dali em diante, ela é obra que pode servir de matéria-prima para a masturbação ou uma nova idéia de corte de cabelo.

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