domingo, 30 de novembro de 2008
Reificação 2
Quando uma mulher bonita entra no trem, além de se defender de todos os tipos de olhares com que é atingida (desejo dos homens jovens, perversão dos impotentes, inveja das coroas e desprezo das mocinhas), existe uma certa tensão no ar e se passa uma pequena novela no percurso da viagem. Primeiro, há a expectativa em qual lugar ela irá se sentar, se irá espalhar sua graça ao lado de algum macho distraído ou se dividirá o corrimão com alguma senhora descontente. Existem várias possibilidades, vários lances, dados a serem jogados. Ela pode simplesmente ficar ali e observar a paisagem pela janela suja e embassada de impressões digitais e óleos corporais, ou então piscar uma pestana dissimuladamente e se deixar ser atraída pelos gracejos que vêem. Pode ser só o toque de uma camisa de flanela com unhas vermelhas bem cuidadas, ou um esbarrão na maratona de 100 saídas do metrô. Qualquer sublime coisa que pode acontecer com aquele lindo exemplar de carbono e nitrogênio, qualquer deslize é um sonho. Mas sorte mesmo tem aqueles que podem só admirar, salivar enquanto dormem e sonham com o vento que levanta a saia na estação Rodoviária. Ela não teve sorte. Ela virou alvo, ela não é um ser com radicais livres ou qualquer coisa parecida. Ela é um quadro, um filme que passa, sem tema ou classificação etária. Dali em diante, ela é obra que pode servir de matéria-prima para a masturbação ou uma nova idéia de corte de cabelo.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
"A paixão do pormenor"
Loiras são gostosas porque são recessivas ou químicas, mas ambas viciantes. Sardas e olhos verdes são quentes porque não são meus. Putas e delirantes ou dedicadas e tardias, não me encaixo em nenhuma delas. Sou um linguado mal-humorado em uma piracema de futilidade. Sou uma coquette do futuro.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Vitrine
Constrangida pelo francês mas sorridente pela Pasárgada, ambígua passeando pela praça e na calçada deixando sublimes as pedras falseadas, consolando os monumentos mijados e torna sórdidas as mulheres por quem passa. Narcisista relutante, apodrece... mas amanheça.
Fim de ano
Se isso fosse aquilo e aquele outro do lado da rua e esses pensamentos vagos não fossem confusos e assustadoramente próximos da minha capacidade inata de deixar tudo escuro... Vejamos o que as epífitas pensam sobre isso, sobre estar aqui aproveitando coisas que não são minhas de fato. Pisando nos ovos de uma ave tão bela e distante, somos todos possuidores de talentos incríveis e agressivos aos olhos dos outros. Somos fantásticos e brilhantes e tão inequivocamente geniais, mas sentimos ódio e nos estragamos. Sou depressiva e me destruo, sou bipolar e te dilacero. Sou rancorosa e me escondo, sou escudo.
Eis que as belas meninas hão de me levar daqui e trazer alívio a estas costas cansadas, e um dia os deuses da casa das máquinas vão se vangloriar de toda a tragicômica novela que montaram em nossas casas tão bonitas. Nosso lar desfeito, nosso jardim pisoteado, essa fotografia pegando fogo no meu peito... Eu montei um Lego de noites próximas e quentes, um castelo de boas intenções e então eis que chegou a primavera e levou embora o meu Ano Novo.
Eis que as belas meninas hão de me levar daqui e trazer alívio a estas costas cansadas, e um dia os deuses da casa das máquinas vão se vangloriar de toda a tragicômica novela que montaram em nossas casas tão bonitas. Nosso lar desfeito, nosso jardim pisoteado, essa fotografia pegando fogo no meu peito... Eu montei um Lego de noites próximas e quentes, um castelo de boas intenções e então eis que chegou a primavera e levou embora o meu Ano Novo.
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Elogio
Como a dona do andador de prata costumava me dizer: "possuída pelo demônio ou não, essa é a única que veio pra fazer alguma coisa."
E se realmente existisse um lugar como aquele perfeito obscuro planeta rodeado de nuvens e gás metano, aonde não existisse um passado para você remoer e nem lembranças para eu ter medo? Eu poderia botar meus chinelos e deixar xadrez a paisagem com toda a calma que me tiraram e que sinto falta. Comprar porcelanas velhas e cheias de poros endurecidos, fazer de conta que tenho uma casa no fim da rua e queimar no Sol os plastos de cada manhã. Seria obviamente utopia minha querer perfeição de dedos tão gelados, querer afeto de tanta masculinidade... Mas não consigo evitar que meu cérebro pense nisso como se fosse possível, e acabo ficando com estes olhos roxos e galos na cabeça, troféu de uma esperança tão leviana.
Se os espinhos e os cometas estão na mesma perspectiva de minha íris funda, isso não muda o meu jeito de ver as coisas. Podemos filmar as nuvens, encher de colorido nossos cantos negros mas mesmo assim não vai mudar o que agora é um fato de escala maior: está tudo destruído.
Mas quero continuar fazendo de conta que falo com o vento, que ele me entende e que ele se importa com os meus galhos secos.
Se os espinhos e os cometas estão na mesma perspectiva de minha íris funda, isso não muda o meu jeito de ver as coisas. Podemos filmar as nuvens, encher de colorido nossos cantos negros mas mesmo assim não vai mudar o que agora é um fato de escala maior: está tudo destruído.
Mas quero continuar fazendo de conta que falo com o vento, que ele me entende e que ele se importa com os meus galhos secos.
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
Do baú
Como é difícil pensar sem idealizar... conseguir alcançar a frieza do realismo! Não posso só te ver e analisar, preciso imaginar, porque a minha natureza foge do naturalismo! Que sejas como eu sonhei, ou prefiro que nem venhas, só não estraga a minha paisagem bonita...
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Tem os punhos fracos fechados contra mim, mas sinceramente eu acho que não vai adiantar. Somos estúpidos em não admitir fraquezas banais, incapacidades traiçoeiras. Está cada vez mais difícil levantar e lutar contra esse sono de 30º e esquecer estas sardas frescas. Não se pode culpar quem fica depois do último farelo de tijolo... É mais forte do que uma massa cinzenta genial, quem manda são os músculos, o dono da casa das máquinas. Controvérsias à parte, lembre-se um dia, porque daria um bom livro. Quero ser a musa do jardim das flores de cor de novembro.
Rasgos no fim das páginas...
Rasgos no fim das páginas...
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
As gotículas no box do banheiro iluminando tudo e estamos felizes diante do céu branco. Meu coração está saindo da caixa verde, está deixando roxa essa blusa branca, está se apaixonando pela preta, estamos perdidos nessas escadas glicosadas.
Estou neste papel agora, de submundo. Sou a penumbra, o vento que dobra a esquina. Estou perdendo os fluidos novamente, mas pode deixar assim, meu céu escarneado ajeita tudo. Estou com uma música na cabeça e um beijo molhado no rosto.
Estou abrindo os braços de novo, esticando os dedos...
Estou neste papel agora, de submundo. Sou a penumbra, o vento que dobra a esquina. Estou perdendo os fluidos novamente, mas pode deixar assim, meu céu escarneado ajeita tudo. Estou com uma música na cabeça e um beijo molhado no rosto.
Estou abrindo os braços de novo, esticando os dedos...
Alguns
Se for bem comparado aos outros momentos que antecederam a queda, desta vez foi muito mais elegante e charmoso. Se assim a mentira lhe cabe bem e consola, eu posso assistir do meu camarote e continuar por aí fazendo as coisas parecerem melhores. Ora e dessa vez eu posso muito bem pintar as unhas, assistir tevê e depilar as pernas, ficar linda como no meu hábito diário e continuar agradavelmente serelepe e ser sempre uma boa visita para depois do jantar. Eu me encaixo bem nesses caprichos, eu sei, não poderia ser mais perfeita. Ser amada assim, nas margens e nas esquinas, não dói. Dói mesmo é o engano que eu vejo nessa camisa poída quando me dá as costas e finge que é isso aí, que está tudo bem e que arrependimento é uma coisa de perdedores.
E é claro que a mim não resta mais nada além de ser óbvia.
E é claro que a mim não resta mais nada além de ser óbvia.
sábado, 1 de novembro de 2008
Tinha um tempo, lá naquele deserto fim-de-mundo e campina que eu morava, parede no chão de terra batida, eu sentava na janela e via as luzes no horizonte do meu aneurisma e me sentia muito melhor por ser louca e segura no meu mundo alucinado. Falar sozinha não era nada para uma criança perturbada, ver pessoas e duendes. Eu me sentia muito bem insana e vivia assim, doidamente bem.
Racionalidade não foi um bom presente da adolescência, perceber que se é estranho e deslocado. Mas considero ter me adaptado e meus genes foram selecionados, pelo menos passei o nível. Bom, aqui estou eu procurando motivos em plena fase adúltera. Se bem que isso faz mais sentido agora e andar nos trilhos dos trens é mais emocionante quando se está surdo.
Nenhuma flor se esquecerá do brilho dos meus olhos na primavera, nenhuma pedra se esquecerá do contato das minhas roupas velhas. Eu fui muito além da caroninha mística e eu fui muito melhor do que formas sem conteúdo. Eu sou essa aqui que bota medo, cabelos vermelhos e longos no vento, pernas lisas ao Sol, unhas pretas afiadas nas costas do mundo, colete aberto, seios à mostra e batom vermelho hermético nos lábios perfeitos. Sou aquela que perturba e que nunca nenhuma será tão bem quanto eu.
Racionalidade não foi um bom presente da adolescência, perceber que se é estranho e deslocado. Mas considero ter me adaptado e meus genes foram selecionados, pelo menos passei o nível. Bom, aqui estou eu procurando motivos em plena fase adúltera. Se bem que isso faz mais sentido agora e andar nos trilhos dos trens é mais emocionante quando se está surdo.
Nenhuma flor se esquecerá do brilho dos meus olhos na primavera, nenhuma pedra se esquecerá do contato das minhas roupas velhas. Eu fui muito além da caroninha mística e eu fui muito melhor do que formas sem conteúdo. Eu sou essa aqui que bota medo, cabelos vermelhos e longos no vento, pernas lisas ao Sol, unhas pretas afiadas nas costas do mundo, colete aberto, seios à mostra e batom vermelho hermético nos lábios perfeitos. Sou aquela que perturba e que nunca nenhuma será tão bem quanto eu.
Ela é má. A coisa está ficando preta além da noite, e o meu sono de luz perfeita e exata evaporou nos primeiros contatos com as estrelas. Como ela me possui nessa glicerina morna e que droga de apartamento pequeno. Frio, consolo dos solitários (e isso é muito deprimente), salgado e inoportuno silêncio.
Que puxa, ela voltou. Voltou na veia, voltou transformada em morfina reificante. Que delícia de apartamento pequeno, que janela claustrofóbica minha.
Meu amigo, ouça bem, nas horas de perdão massificado nós nos esquecemos das promessas: eu vou ficar aqui, eu vou acordar junto contigo e vou segurar a tua mão quando ela cortar, na surdina.
Que puxa, ela voltou. Voltou na veia, voltou transformada em morfina reificante. Que delícia de apartamento pequeno, que janela claustrofóbica minha.
Meu amigo, ouça bem, nas horas de perdão massificado nós nos esquecemos das promessas: eu vou ficar aqui, eu vou acordar junto contigo e vou segurar a tua mão quando ela cortar, na surdina.
Assinar:
Postagens (Atom)